Maria, uma amiga de longa data, queixava-se comigo de já ter passado anos migrando de terapeuta em terapeuta, desde psicólogos, médicos, terapias holísticas diversas, para tentar sair de um estado de estagnação crônica.
Há coisas importantes que Maria sente que precisa mudar na sua vida, pois não se sente feliz. Mas Maria vai pra cá, Maria vai pra lá, segue o conselho de um, e de outro, e no final vê-se na mesma situação emocional de quando iniciou sua busca. Depois de tanto se expôr, Maria já está mais madura no entendimento do que se passa consigo, é verdade. Mas tem um problema: em todos os lugares por onde passou, Maria se sentiu muito aconselhada e pouco ouvida.
Escutando o drama de Maria, uma frase me saltava à mente: Maria precisa de alguém que simplesmente a ouça e a acolha, para que ela possa se ouvir também.
Curiosamente, é nesse ponto da história que volta à lembrança de Maria um dos terapeutas por quem passou lá no início da sua busca. Era alguém que havíamos conhecido quando mais jovens: um terapeuta de perfil analítico, daqueles que ouve muito mais do que fala. Vamos chamá-lo de “terapeuta número um”. Mas não houve tempo de colher os frutos daquele estilo de terapia: pouco tempo depois de iniciar as sessões, Maria procurou outros métodos, num desejo impaciente de encontrar uma direção.
Eu concordei com Maria que seria uma ótima ideia hoje procurar novamente o “terapeuta número um”. Na lembrança de Maria, foi o único lugar onde se sentiu de fato ouvida. E hoje, anos depois, é disso que ela mais precisa, pois se sente perdida e oprimida no oceano de conselhos que colheu ao longo dos anos.
O valor da escuta acolhedora
Os genuínos terapeutas e aconselhadores, no geral, são pessoas movidas pela vontade de ajudar a aliviar o sofrimento de uma outra pessoa, e isso por si só já tem o seu valor. Mas além da boa vontade e do treinamento nas técnicas escolhidas para se trabalhar, tem uma outra qualidade muito importante que muitas vezes é negligenciada nesse campo – e também nas relações humanas em geral.
É a capacidade de escuta acolhedora.
A definição mais gabaritada que eu encontrei sobre esse conceito ao longo dos anos veio de um psicólogo norte-americano que produziu entre as décadas de 1940 e 1980, Carl Rogers.
Rogers é considerado o pai da psicologia humanista e criador da terapia centrada na pessoa. Iniciou como psicanalista tradicional e progressivamente criou o seu próprio método de cura pela conversa. Dedicou-se à psicoterapia e a questões mais coletivas, como a educação e a promoção de diálogos de paz entre grupos em conflito.
Era também bastante ligado às questões da espiritualidade, especialmente no final da sua carreira. Em Um Jeito de Ser (1980), revelou por exemplo que vinha abrindo suas ideias e desenvolvendo um interesse crescente por assuntos parapsíquicos como bioenergias, reencarnação, vida após a morte, projeção astral e congêneres.
Rogers não era apenas um psicólogo. Era um humanista de experiência, mente e coração amplos que se sentia na fronteira do seu tempo.
Um dos principais legados da sua obra foi ter estabelecido, de forma prática, uma espécie de “padrão ouro” para a atitude terapêutica. Os atributos de um bom terapeuta, no paradigma humanista, são:
- Acreditar no potencial humano para a autocura.
- Ter uma atitude facilitadora e nutridora dos recursos internos daquele que busca a terapia. Na prática isso requer: suspensão de julgamentos de valor e capacidade de compreender a experiência do outro na ótica dele mesmo.
- Saber ouvir a mim e ao outro. Quanto melhor eu souber ouvir o que se passa em mim, melhor posso dar esse espaço ao outro.
- Respeitar o processo e o tempo da pessoa: “Quanto mais eu estiver aberto às realidades em mim e na outra pessoa, menos eu me vejo desejando apressar-me em consertar as coisas, estebelecer metas, moldar as pessoas, manipulá-las e empurrá-las na direção em que eu gostaria que elas fossem” (Tornar-se Pessoa,1961).
Rogers propôs a escuta acolhedora, a aceitação incondicional do outro e a visão otimista do potencial humano como requisitos básicos para que as relações humanas sejam positivas e emancipadoras.
O seu pensamento influenciou inúmeras áreas, desde a psicologia até a educação, a medicina, as organizações e várias vertentes de terapia.
Até mesmo algumas escolas modernas de Astrologia incorporaram princípios rogerianos em sua prática de leitura de mapas, promovendo uma leitura mais aberta, voltada mais para perguntas pertinentes do que para respostas prontas e fechadas.
A responsabilidade de ser terapeuta
Quem se propõe atuar em qualquer campo terapêutico – desde a psicologia e a medicina materialista até as terapias mais sutis e esotéricas – tem o dever de fazer uma reflexão sobre até onde consegue implementar os pilares da escuta acolhedora na sua prática.
O que está em jogo é a própria efetividade da técnica, porque conhecimento dispensado sem acolhimento empático vira informação sem vida e não mobiliza ninguém.
Mas os princípios de que estamos falando são elevados. Quem já tentou aplicá-los sabe que são difíceis de alcançar na prática porque exigem um auto trabalho constante. Temos os nossos limites e falhamos ocasionalmente na prática da escuta acolhedora.
De todo modo, são horizontes bons de se ter em vista porque podem qualificar muito a nossa prática.
O convite aqui é para observarmos em que grau da escala de empatia nos encontramos quando decidimos oferecer as nossas técnicas para ajudar os outros. Conseguir aplicá-las desde um lugar compreensivo e amoroso acaba por fazer toda a diferença.
A presença que eu ofereço cria o ambiente para um diálogo verdadeiro, de alma para alma, ou o que está em jogo é a minha necessidade de provar minha capacidade, conhecimento ou técnica?
Eu, terapeuta, astrólogo, reikiano, floralista, clarividente, taróloga, psicóloga, analista, médica, escritora, empresária, professor, PESSOA: atuo no mundo movida mais pelo amor compreensivo ou pela mente?
Uma possibilidade interessante é tentar encontrar o equilíbrio dessas forças dentro de nós sempre que percebermos que uma delas está pesando muito mais do que o outra.
Também precisamos estar atentos ao nosso grau de fé na capacidade humana, e perceber se damos ou não à outra pessoa o direito de se encontrar exatamente nas circunstâncias em que se encontra, sem invalidar a sua experiência com o nosso julgamento e a nossa pressa de consertá-la.
Parafraseando Rogers, o curioso paradoxo da cura é que somente quando alguém se sente aceito exatamente como é, exatamente onde está, consegue mudar.
Será que em meio a tantas técnicas e conselhos prontos que temos para oferecer aos nossos interlocutores eles se sentem verdadeiramente acolhidos? As palavras que emanamos tocam o coração de quem as recebe? Sabemos preparar o terreno da cura colocando a energia poderosa do amor naquilo que fazemos?
É um diálogo que tenho comigo
Destaco que essas reflexões eu tenho para mim, e não estou aqui para julgar nem escolarizar ninguém sobre a forma de trabalhar.
Quando eu era mais nova e menos experiente, senti na pele a dificuldade de aplicar esses ideais e sei que isso provavelmente prejudicou a efetividade de alguns dos atendimentos que fiz no passado.
E também, depois de ter precisado do suporte continuado de diferentes pessoas e profissionais para atravessar minhas próprias noites escuras da alma, compreendi que um bom conselho dado sem a atitude acolhedora acaba não tendo efeito nenhum.
Quando estamos fragilizados e vulneráveis é provável que precisemos, em primeiro lugar, de ser abraçados. Literalmente ou simbolicamente. “Ame a mim quando menos mereço, pois é quando eu mais preciso”. Ser compreendidos quando estamos no nosso pior momento é uma chave mágica para a autotransformação.
Na era da informação, temos acesso a conhecimentos, técnicas e bons conselhos. Já o amor e a empatia continuam sendo jóias preciosas, semente raras no mundo.
É nosso dever protegê-las e cultivá-las, seja no trabalho, na família ou na comunidade a que pertencemos.
Um abraço cósmico,
Samantha