Astrologia e Astronomia

Quando um astrólogo olha para um mapa astrológico, ele está analisando muitas coisas – e relações entre coisas – ao mesmo tempo. Mas se fosse preciso explicar resumidamente o que está contido num mapa, eu diria que ele mostra quatro pilares principais: os signos do zodíaco, os corpos celestes e pontos matemáticos de interesse, as casas astrológicas e os aspectos formados entre todos esses elementos.

Não vou escrever hoje sobre o que cada uma dessas coisas significa, mas quero falar um pouco sobre o círculo do zodíaco, que contém os doze signos que conhecemos. 

Quando comecei a aprofundar meus estudos, descobri para minha surpresa que o zodíaco tal como conhecemos na astrologia ocidental não corresponde exatamente aos alinhamentos astronômicos mapeados pelos cientistas.

Eu notava que enquanto a astrologia dizia que, por exemplo, uma lua cheia seria em Leão, o meu aplicativo de mapeamento de estrelas mostrava que aquela mesma lua estava fisicamente alinhada com uma constelação anterior, Câncer. Eu não entendia por que, e achava que tinha algum problema com a bússola localizadora do meu telefone celular.

Até que, no ano passado, fui com minha família a um evento de observação astronômica aqui perto de onde moro. O evento era organizado por dois astrônomos da faculdade local, no topo de um monte afastado e pouco iluminado, numa noite de céu limpo. Eu fui toda contente, naquele clima de inspiração especial que os programas na natureza costumam trazer. 

Foi tudo fantástico, até o momento em que um dos astrônomos começou a zombar da inteligência dos astrólogos, dizendo que de dois mil anos para cá a posição da Terra em relação ao zodíaco já havia mudado em quase um signo inteiro, devido a um fenômeno chamado precessão dos equinócios, e que os astrólogos não haviam se atentado ao fato.

Na época eu já estudava alguns assuntos astrológicos, sem saber de detalhes assim mais técnicos. Porém eu sabia, pelo quilate das pessoas com quem vinha estudando, que não era possível estarem desatentos a algo tão próximo da sua prática. 

Intrigadas com a provocação, eu e uma outra participante abordamos o rapaz no final do evento para dizer que gostávamos muito da astrologia, e que não sabíamos responder àquela crítica porque éramos iniciantes, mas que tínhamos certeza de que a comunidade astrológica saberia responder. Perguntei ao rapaz se ele já perguntou a um astrólogo o que ele teria a dizer. O rapaz riu e, como num gesto de quem tem alergia a essa gente estranha da astrologia, disse: “Eu lá quero saber de conversar com um astrólogo?” .

O outro organizador, que parecia um pouco mais interessado na simbologia das estrelas, olhava em nossa direção quase como que pedindo desculpas pela arrogância do colega.

Eu saí daquela noite com uma pulga atrás da orelha. Resolvi escrever uns dias depois para o coordenador de um dos maiores podcasts de astrologia do mundo hoje, o Chris Brennan, que é um historiador e estudioso inteligentíssimo da astrologia Helenística. Relatei o ocorrido no evento e a minha dúvida. Ele foi bem gentil e me respondeu em pouco tempo, apontando o caminho pra estudar como a astrologia ocidental acomodou historicamente esse assunto. E me avisou que existe uma campanha difamatória dos cientistas contra os astrólogos, que era uma coisa cíclica e que de vez em quando pipocam artigos na mídia sobre isso. 

Chris Brennan, astrólogo especialista em astrologia Helenística e host do The Astrology Podcast

Lendo artigos e vendo vídeos, compreendi que existe de fato essa diferença entre o alinhamento zodiacal da astrologia e o alinhamento constelacional físico usado pelos astrônomos. Só que isso não se deve, como deu a entender o meu colega lá no monte, à ignorância dos astrólogos quanto à existência da precessão dos equinócios.

Astrólogos já sabem deste fenômeno desde que foi descoberto pelo astrônomo Grego Hiparco (190–120 AC). Dois séculos mais tarde, com o trabalho de Claudio Ptolomeu, astrônomo e astrólogo também Grego, a astrologia ocidental convencionou fixar a contagem do início do signo de Áries no dia de equinócio de primavera do hemisfério norte, que sempre acontece por volta do dia 20 de março do nosso calendário.

Mesmo sabendo que com o passar dos séculos os alinhamentos físicos sofreriam mudanças graduais, os astrólogos ocidentais adotaram o sistema simbólico do zodíaco tomando como base não só as constelações, mas também as estações do ano para derivar os significados.

A astrologia védica ou indiana tenta acomodar nos seus cálculos a precessão dos equinócios, mas acaba por trabalhar também com um grau de abstração porque divide o círculo do zodíaco em doze segmentos de 30 graus exatos, quando as constelações físicas variam de tamanho. Outro problema é que os astrólogos indianos não têm um consenso quanto a em que ponto exatamente devem começar a contar uma constelação, havendo inúmeros pontos de referência – chamados de ayanamsa – que acabam gerando subsistemas interpretativos diferentes.

O zodíaco que usamos na astrologia ocidental chama-se zodíaco tropical, devido ao seu link com os equinócios do nosso planeta. O da astrologia indiana chama-se zodíaco sideral. E o da astronomia, zodíaco constelacional.

A questão da imprecisão física do alinhamento zodiacal tropical em relação à astronomia em nada diminui a força explicativa da astrologia, pois ela não tem só um pé na ciência, e sim também um caráter divinatório, energético e espiritual. Inclusive os diferentes sistemas astrológicos que existem chegam, por caminhos diferentes, a interpretações bastante acertadas dos eventos mundanos e pessoais.

É que não existe apenas um caminho para a verdade. Meu professor de astrologia, que pratica esta arte-ciência há mais de 50 anos, costuma dizer com humildade que “não sabemos por que a astrologia funciona, só sabemos que funciona”.

Urânia, deusa do panteão Grego, musa da Astronomia e da Astrologia. Retrato por Louis Tocqué, 1750

O que fica para mim dessa história toda é um sentimento que eu já conhecia desde a época da faculdade: o de que muitos cientistas, pelo menos os de hoje – porque em outras épocas não era assim – ressentem-se de assuntos ligados ao misticismo e ao simbolismo, adotando uma atitude de quem sabe mais e melhor.

O contrário – um místico que se ressente da ciência – até pode existir, mas me parece menos comum. Quem navega pelas águas da inspiração costuma ter a mente mais aberta, nutrir um sentimento de respeito pelos mistérios da natureza e uma consciência de saber que pouco sabe.

Afinal, basta olhar para o espaço sideral para termos a noção de quanto ainda temos por descobrir sobre o universo e sobre nós mesmos.

Um abraço cósmico,

Samantha