Nesse domingo de Páscoa saímos para uma caminhada pelo nosso novo bairro, de maioria imigrante – predominando indianos Gujaratis. Os negócios não-cristãos estavam todos abertos, incluindo um barbeiro em que o Leo decidiu entrar pra cortar o cabelo.
A placa na porta sinalizava com clareza que era um lugar para cortar cabelos de homens. No ambiente, bem masculino e aparentemente muçulmano, me sentei quieta num cantinho pra esperar. Pensei que a presença de uma mulher no ambiente podia ser meio estranha para aqueles 4 funcionários jovens, que em nenhum momento me dirigiram um olhar ou palavra. Estava quente ali dentro, mas mantive meu chapéu cobrindo o cabelo, não tirei casaco nem luva, só pra garantir. Observei discretamente a rotina do lugar.
Dois dos funcionários atendiam clientes enquanto conversavam entre si numa língua desconhecida. Perguntado pelo Leo, um deles respondeu que eram todos do Afeganistão. Por entre uma cortina de plástico dava pra ver o terceiro, usando, numa parte interna do salão, uma pia para esfregar seus pés, mãos, rosto e dentes. Não parecia estar sujo, mas esfregava essas partes vigorosamente, como se estivesse se lavando após caminhar na lama. Ficou fazendo isso por uns dez minutos.
Enquanto isso, em outro canto, o quarto rapaz estendia um pequeno tapete com motivos árabes e uma mesquita dourada bordados. O tapete foi estendido na diagonal, de frente para uma parede, ao lado de uma das cadeiras de corte. Tirou os sapatos, vestiu um casaco, cobriu a cabeça com o capuz e começou uma sequência de ficar de pé, se ajoelhar, tocar o tapete com a testa e beijar o tapete. Alternava essas posições enquanto murmurava preces, e assim fez durante os mesmos dez minutos em que o colega se lavava no outro ambiente.
O rapaz da pia atravessou a cortina desfiada vestindo pantufas e se dirigiu ao local do tapete, que acabara de ser enrolado pelo colega que terminara sua rodada de preces. O tapete passou de mãos, assim como o casaco. Estendendo o tapete no exato mesmo lugar e ângulo, e cobrindo a cabeça com o capuz do casaco emprestado, o sujeito recém-banhado iniciou a mesma sequência de posições e preces, enquanto o outro se retirou para um canto e ficou sentado, pensativo.
A essa altura o corte de cabelo do Leo tinha acabado e não deu pra continuar observando. Fico fascinada com essas experiências estranhas, em que nos perdemos nos códigos culturais que nos são desconhecidos. É sempre uma boa lembrança de que apesar de costumarmos medir tudo pelo nosso ponto de vista, o mundo é estonteantemente mais diverso do que conseguimos supor.